O Dia da Toalha

Por Gil Vesolli, sommelière semi nerd 

O gênero Fantasia normalmente é desconsiderado pela Literatura e pelos intelectuais de modo geral. Parece que ao escrever sobre universos imaginários habitados por Elfos, equilibrados sobre as trombas de poderosos elefantes, criados a partir de uma canção ou destruídos por dragões, esse tipo de literatura perde seu valor como tal. Talvez por parecer coisa de criança, talvez porque os intelectuais não sejam pessoas muito imaginativas, talvez porque pessoas “sérias” simplesmente não consigam mergulhar em um mundo de fantasia desde que a infância as abandonou.

O Dia da Toalha¹ não é oficial, mas acontece no mundo todo. Não se espante se dia 25 de maio você cruzar com algum maluco usando uma toalha como turbante, cachecol, amarrada à cintura ou como capa. Começou com os fãs de Douglas Adams, que desejavam lhe fazer uma homenagem, e espalhou-se na mesma velocidade com que o público devorou sua trilogia de 5 livros (sim, você leu certo).

Mas quem foi Douglas Adams? A resposta pode variar entre um bom escritor de fantasia a um gênio da literatura. Para mim e todas as pessoas que saíram de casa hoje com uma toalha dependurada, a segunda resposta é a única coerente.

Dia 25 de maio comemora-se também o Glorioso Dia 25 de Maio, referência ao também falecido Terry Pratchett².

Pratchett criou um universo único, e como Adams, entremeou o definitivo e inimitável humor inglês entre frases criativas, jogos de linguagem e personagens magnificamente bem estruturados. Ambos são gigolôs da palavras. Para ambos, falar sério representa nos fazer morrer de rir, criar tempestades cerebrais, fazer troça com nossa arrogância, surpreender-nos com situações absurdas.

Dia 25 de maio também é o Dia do Orgulho Nerd. Sim, existe isso. E na data apropriada. A Fantasia é o gênero cultuado entre essas pessoas levemente dispersas. Nerd que se preze leu além dos autores citados, J.R.R Tolkien³, Willian Gibson, HP Lovecraft e centenas de HQs (4). Nerd que é nerd joga tabuleiro e RPG(5).

Nerd que é nerd adora histórias de zumbis e já tem planos do que fazer quando o inevitável apocalipse da praga começar (eu mesma já tenho os meus: me abrigar na adega da Casa do Vinho, munida de uma bicicleta e saca rolhas).

Dentre os autores mais inspirados a escrever sobre zumbis – e que certamente estará portando sua toalha no dia 25 – está Max Brooks. Louco por zumbis desde criança, ele escreveu, entre outros, O Guia de Sobrevivência aos Zumbis e Guerra Mundial Z. Felizmente esse último título não tem nada a ver com o filme de mesmo nome, embora curiosamente o longa tenha sido inspirado nele.

Como todo livro (filme ou série) sobre zumbi, Guerra Mundial Z não trata-se de zumbis. Trata-se do comportamento humano diante de um inimigo invencível que já foi humano, por vezes um humano que amamos. Brooks, como o grande escritor que é, não nos dá um segundo de ar fora da imersão que seu livro provoca. Do cenário de desolação imaginado por ele sequer o vinho escapa. Em uma das entrevistas feitas com os sobreviventes depois da guerra definitiva, menciona-se o assunto:

Enquanto o destino dos sobreviventes e nações é decidido na Conferência de Honolulu (6), um chileno, um francês e um sul africano procuram um assunto que desvie suas mentes daquilo que está por vir. Cada qual tem uma história com o vinho; moravam próximos, eram de famílias de vinicultores ou trabalhavam em vinícolas. 

Aconcágua fora destruída por desastrosos experimentos com napalm. Stellenboch passou a cultivar safras de subsistência para uma população faminta. Bordeaux e toda a França está tomada por zumbis, que massacram não apenas a população, mas também os vinhedos.

O francês acredita que Bordeaux será retomada. Com o sol caindo e a desesperança tomando conta de suas mentes, ele tira de seu kit de sobrevivência uma garrafa de Château Latour 1964. Ela representa um mundo que acabou e o vinho foi o único objeto que ele havia conseguido salvar durante a evacuação.

A sensação ao ler essa parte do livro foi de tristeza pela história e admiração pelo autor. Demorou um tempo para emergir, mas ufa! não há zumbis – por hora – e o vinho está salvo; verifiquei pessoalmente. Depois desse livro, nunca tive tanta certeza de onde quero estar quando o inevitável acontecer.

1 Entenda porque toalha, afinal de contas, lendo a trilogia: 

O Guia do Mochileiro das Galáxias, O Restaurante no Fim do Universo, A Vida, O Universo e Tudo Mais,
Até Mais e Obrigado Pelos Peixes e Praticamente Inofensiva.

2 Como não amar um sujeito que fez sua própria espada mágica para ser condecorado Sir?

3 Leia Silmarillion, leia Silmarillion, leia Silma…

4 Procure por Kami no Shizuku e se encontrar me avise!

5 Não é RPG, mas é muito bom: http://www.bbr.com/wine-knowledge/game

6 Essa conferência jamais existiu, mas você não acredita nisso enquanto lê.